Semiramis Ato 1
1 Campina rasa semeada de cadáveres. Carros de mato quebrados, tendas de campanha caídas. Cidade de Babilónia ao longe, com o rio Eufrates. E estará em hábito guerreiro a rainha SEMIRAMIS, com a espada na mão, seguida de soldados, atrás el-rei ÁTALO; ZUMIRA e IDASPE prisioneiros; e ARBACE solto.
2 SEMIRAMIS: Heróis valentes, já é nosso o campo. Ao brilhante raio da minha espada se deve a vitória. Não vos deem sustos as inimigas tropas e as contrárias fileiras. Já delas meu braço triunfou, já Assíria livre se vê.
3 REI: Oh, minha esposa, oh, glória minha, e minha libertadora, mais te devo que a vida na liberdade, pois aquela sem esta pouco ou nada se estima
4 SEMIRAMIS: Átalo, rei, esposo meu, em ti grilhões?! De teus pés passarão hoje aos desses vencidos.
5 REI: Não, Semiramis, não. Já que venceu o teu braço, vença também o teu peito: menos generoso não faça o teu ânimo a vingança [1v] da minha injúria, que tanto mais te vingas quanto mais perdoas.
6 IDASPE: Não percas o costume da tua crueldade. Sai, que eu não sou somente o general dos Bactros; em mim também vês de el-rei dos Medos, que às tuas mãos rendeu a vida, o único de sete filhos que ao teu furor reservou dos deuses a piedade. Este que falta de acabar agora o podes fazer. Só com Zumira não sejas cruel, e baste para seu tormento a lembrança do nobre sangue que há pouco em seu pai derramaste.
7 ZUMIRA: Não, Idaspe, não rogues por mim. Piedade não busca quem só a morte deseja: liga a filha ò infeliz destino do pai.
8 REI: Princesa, ainda nos meus pés sustento o peso dos grilhões. Não imagines finjo em mim a piedade para que execute em ti o martírio. Teu pai, sim, morreu às minhas mãos, mas da mesma sorte que eu podia acabar às suas. Os efeitos da guerra dá-os a fortuna e não o valor. Não me gloreio do golpe, antes lamento o estrago. Nestes braços, como amigo, o recebi moribundo. Neles me disse «Já que ficas vencedor, salva-me a filha; seja brasão da tua glória o favor do seu amparo». Em mim, [2] lhe disse eu, teria o amor de pai que em ti lhe roubou a fortuna. «Será não minha escrava mas de meu filho esposa». Pede-me juramento da palavra, dou-lho com a promessa e espira contente
9 ZUMIRA: Se o amor de Zoroastro assim o queria, o meu o não quer. Depois da sua morte, não pode, não pode haver para mim alívio, nem esposo. Tu, com te mostrares benigno vencedor, podes fazer o meu ódio justo, mas não menos grande. Tirou-me com a vitória o céu a vingança, esta só queria. Vê, agora, ó rei, se temo a morte. Os meus pensamentos te descubro por que mais te irrite
10 SEMIRAMIS: Basta, põe já freio à tua ira. (A Átalo) E tu o vem pôr ao furor dos Assírios guerreiros.
11 REI: Vamos, e seja maior o dia no cumprimento do prometido. Quero que se vinculem os aplausos da vitória aos desposórios de Nino. Hoje, esposa, te festeja toda a Assíria, e já que por ti se vê livre, por ti seja alegre. (Vaise.)
12 SEMIRAMIS: Arbace, a Babilónia manda dar a notícia do triunfo, e, entretanto, a Nino conduze. Esses prisioneiros no palácio fiquem, e depois nos busca. [2v]
13 ARBACE: Irei a obedecer aos vossos preceitos e dar notícia das vossas glórias. (Vai-se.)
14 ÁRIA SEMIRAMIS: Se um espírito elevado ‘inda em sexo menos forte nunca teme a dura morte nem a triunfos aspirar. O meu peito em que se alenta de Mavorte o furibundo, com valor, a todo o mundo ‘inda espera conquistar. (Vai-se.)
15 ZUMIRA: Quanto variou sobre nossas armas a fortuna! Morreu meu pai e, tu, ao matador vences e prendes; e quando do bárbaro rei e soberba rainha entendíamos que tomávamos a justa vingança, reduzindo com ferro e fogo a lastimoso estrago todo o campo, então nos tira a fortuna outra vez a vitória das mãos e nos tece os grilhões para os pés.
16 IDASPE: As minhas prisões me não lastimam, só as tuas me atormentam. Mas para que é temê-las, se eu terei o martírio e tu terás o esposo?
17 ZUMIRA: Não me acrescentes a dor, e lembre-te só que te amei. Mas, tu, quem me assegura de distante dos meus [3] olhos serás constante quanto eu serei fiel. Ah, que esta triste dúvida me fará a escravidão mais penosa.
18 IDASPE: Com essa dúvida, ofendes a minha constância.
18 ÁRIA: Sabe, amor, que nem o fado nem o infausto da ventura de adorar tal formosura nunca me hão-de apartar. Firme amante hei-de seguir esse assombro de beleza e o exemplo da firmeza no meu peito hás-de achar. (Vão-se.)
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